sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

São Paulo: a oportunidade de inovar



Fabio Feldmann
De São Paulo

Meu caro leitor: peço desculpas pela redundância temática. Mais uma vez me vejo na situação de comentar um Projeto de Lei, enviado pelo Governador Serra à Assembleia, que se transformou em motivo de controvérsia em função da proposta de criação de um pedágio eletrônico nas vias de São Paulo.

Infelizmente repito muito do que já disse nessa coluna sobre mudança do clima. Esse tema ganhou importância nos últimos anos, especialmente com a divulgação do filme do ex-vice-presidente americano Al Gore e com a divulgação do último relatório do IPCC em 2007, que confirmou a gravidade do problema. Al Gore e o IPCC ganharam o prêmio Nobel da Paz como reconhecimento de seu trabalho e como uma forma de conferir ao tema a importância que o mesmo merece.

De lá para cá aumentou a percepção da gravidade do aquecimento global, como revelada pelo degelo do Ártico e Antártida em velocidade maior do que se previu. Essa semana a Austrália está vivendo uma grande catástrofe climática causada por uma onda de calor responsável por grandes incêndios. O Brasil neste verão tem assistido grandes temporais com número elevado de vítimas, que poderíamos chamar de "refugiados ambientais".

Aliás, um dos fatos mais relevantes na reunião de Poznan foi a declaração de Craig Johnstone, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) de que até 2050 existirão de 250 milhões a 1 bilhão de refugiados ambientais no mundo.

Em relação ao clima, existem duas abordagens essenciais: a mitigação dos gases efeito estufa e adaptação em relação aos impactos decorrentes do aquecimento global. No que tange à mitigação, não existe muita dúvida sobre a necessidade de diminuir o lançamento dos gases efeito estufa na atmosfera, sendo eles decorrentes da queima de combustíveis fósseis, mudança de uso do solo - desmatamento, metano dos aterros sanitários ou do arroto do rebanho bovino, entre outros. Em essência o desafio está em nosso cotidiano: uso de eletricidade, consumo de carne vermelha, disposição de resíduos orgânicos.

Em outras palavras, parafraseando a expressão "business as usual", o que teremos que fazer é mudar "life as usual" se quisermos mitigar os impactos do aquecimento global, sendo esta a maior questão em jogo nas negociações internacionais: qual deverá ser a meta de redução de lançamento dos gases efeito estufa com a finalidade de estabilizar o sistema climático do planeta. Questões complexas porque envolvem mudanças radicais em nossas vidas.

Adaptação é nos prepararmos para os impactos do aquecimento. No caso das chuvas intensas em curso no Brasil é questionarmos se as redes de drenagem das nossas cidades suportam tais chuvas, se a defesa civil está organizada para desastres naturais, se as cidades litorâneas sofrerão e como, com a elevação do nível do mar, enfim, precisamos conhecer as nossas vulnerabilidades diante dos vários cenários previstos, notadamente na economia global e do Brasil.

Infelizmente no Brasil há uma certa cultura de que teríamos preocupações mais urgentes do que o aquecimento global, de modo que não encontramos na agenda pública e dos partidos políticos a prioridade que o tema merece. Por consequência, existem poucas iniciativas legislativas por parte do executivo, de modo que as mesmas são bem-vindas até porque uma vez representando a vontade política dos governos tem maior chance de serem aprovadas. No caso, a iniciativa do governador Serra de enviar uma Política Estadual de Mudança do Clima certamente significa, a médio prazo, preparar São Paulo para enfrentar o aquecimento global nas dimensões de adaptação e mitigação.

Quanto à mitigação, o fato de se colocar uma meta no tempo de redução de emissões representa, no mínimo, pautar a sociedade para o fato de que teremos inevitavelmente de contribuir para o esforço de se assegurar o equilíbrio do sistema climático do planeta, em que pesem controvérsias científicas sobre o assunto, especialmente em relação à concentração admissível de carbono na atmosfera e o seu impacto no aumento da temperatura média do planeta.

O importante é a ideia de que todos os cidadãos do planeta terão que mudar seu perfil de consumo ainda que se leve em consideração as diferenças entre um americano e um indiano, um brasileiro de classe média alta e um brasileiro que vive abaixo da linha da miséria.

Quanto antes discutirmos esse assunto e nos prepararmos, melhor será em todos os sentidos, até mesmo para assegurarmos a competitividade da economia paulista em termos de inovações tecnológicas necessárias a um perfil energético de baixa intensidade de carbono.

Nossa construção civil, como afirma o presidente do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) Marcelo Takaoka, também terá que inovar em toda sua cadeia produtiva, e oferecer ao consumidor final bens mais sustentáveis.

O Projeto de Lei está longe de ser perfeito até mesmo pela falta de experiência brasileira no assunto, mas ao introduzir certas obrigações como inventários periódicos de emissão, plano estadual de adaptação, entre outras iniciativas, promoverá um processo que não pode ser mais adiado: internalização da dimensão climática em todas as políticas setoriais de São Paulo, quer na agricultura, quer no planejamento urbano, enfim, no futuro de seus cidadãos.

Por essa razão, lamento profundamente que o debate sobre a lei se restrinja unicamente à questão do pedágio urbano, que foi nele colocado em função de uma questão que hoje não pertence aos paulistas, mas a todos que vivem nos grandes centros urbanos do mundo. Refiro-me aos congestionamentos e à emissão decorrente do setor de transporte, valendo lembrar que a médio prazo teremos que enfrentar com abordagens inovadoras tais problemas.

No caso do pedágio urbano, a exemplo do rodízio, o que se pretende é se induzir comportamentos que coletivamente tornem mais eficiente o uso do nosso sistema viário, até mesmo porque é inviável se imaginar que as nossas cidades têm capacidade de suportar o aumento vertiginoso da frota de automóveis.

Em São Paulo há registros de que em certas regiões recentemente verticalizadas o congestionamento se inicia na garagem dos novos edifícios comerciais, de modo que se não tomarmos providências imediatas ficaremos todos presos no trânsito. O pedágio eletrônico, como existe de maneira bem sucedida em Londres, poderia se transformar num bom indutor de melhor uso do nosso sistema viário, e nada impede que se previssem mudanças no IPVA para que o tributo incidisse também sobre o uso e não apenas sobre a propriedade, assim como se estipulasse menor taxação para os automóveis utilizados coletivamente em programas de carona solidária.

A dificuldade em relação a esses temas é que propostas inovadoras requerem tempo para se legitimar e nem sempre há coincidência entre horizonte eleitoral e aquele necessário para assegurar qualidade de vida às futuras gerações. Do ponto de vista político é necessário se valorizar o debate para que o processo de inovação se inicie e possamos avançar concretamente em questões como do aquecimento global, valendo lembrar que São Paulo tem a capacidade de ser uma central de idéias inovadoras como a Califórnia é para os Estados Unidos.

*Para conhecer o inteiro teor e acompanhar a tramitação da Política Estadual de Mudanças Climáticas - PEMC, basta acessar o site da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (www.al.sp.gov.br) e pesquisar pelo número do Projeto de Lei (1/2009).


Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

Fonte:Grupo proclimacetesb-sp

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