quarta-feira, 22 de abril de 2009
“Energia nuclear deve ser nossa última opção”
Na “disputa” entre produção de energia e preservação ambiental no Brasil, poucos tiveram tanto destaque nos dois campos. Ex-presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e ex-diretor da Eletropaulo (de 1982 a 1986), José Goldemberg também foi secretário de meio ambiente da presidência da República (em 1992) e do Estado de São Paulo (entre 2002 e 2006). O físico, que estuda energia há cerca de 50 anos, foi considerado, em 2007, pela revista Time um dos 13 heróis do meio ambiente na categoria “líderes e visionários” e recebeu, em 2008, o prêmio Blue Planet, espécie de “Nobel” da área ambiental.
Em entrevista por e-mail ao Planeta Inteligente, o ex-reitor da USP diz que, tanto pelo lado da preservação da natureza quanto pelo da necessidade de produzir energia, a alternativa nuclear, “cara e cheia de riscos”, não é adequada para o país. “Ela é a opção quando as outras foram exauridas. Foram os casos da França e do Japão, mas não é o caso do Brasil”. Goldemberg pondera que, em função das chuvas abundantes do ano passado, não há perigo de apagão em 2009. Para ele, o governo deveria aproveitar a folga “para deslanchar algumas hidrelétricas e, mais do que isso, estimular a geração eólica”.
O Brasil corre novos riscos de apagões em 2009?
Não. Os reservatórios das usinas hidrelétricas estão cheios devido às abundantes chuvas de 2008. De modo que o risco de novos apagões, que era grande há um ou dois anos, foi adiado.
O que a crise de 2001 mostrou ao Brasil? O país e seus governantes aprenderam?
A crise de 2001 mostrou que planejamento energético é importante. Este planejamento foi seriamente afetado pela privatização das empresas na década de 90, em que a Eletrobras perdeu sua capacidade de realizar os inventários necessários. É claro que o que determinou a crise foi a falta de chuvas, mas esta falta de água poderia ter sido atenuada caso outras providências tivessem sido tomadas em tempo.
Que providências?
Ter acelerado os estudos de viabilidade de locais para a construção de hidrelétricas e ter reforçado as interconexões entre o Sul e o Sudeste – para transmitir a energia elétrica que estava sobrando no Sul para o Sudeste, onde estava faltando.
Quem observa o debate público entre ambientalistas e empresários pode ficar com a impressão de que enfrentamos um dilema: ou mantemos uma matriz energética limpa e corremos risco de ter apagão ou investimentos em fontes mais sujas (termelétricas, principalmente). Como desatar esse nó?
Como o risco de apagões foi adiado, não há dilema agora. O governo tem tempo para “deslanchar” algumas hidrelétricas e, mais do que isso, estimular geração eólica, sobretudo no Norte e no Sul do país.
Fala-se muito que o Brasil é um país abençoado por ventos e, por isso, propício à energia eólica. Por que, então, essa forma de energia ainda não é responsável por uma fatia maior do fornecimento no país?
Não é verdade que o Brasil seja muito bem dotado de energia eólica (exceto no extremo Norte e no extremo Sul do país). Além disso, ela não é ainda competitiva com outras formas convencionais de produzir energia elétrica. A energia eólica tem um papel a desempenhar, mas no nível de 5% a 10% da eletricidade que o país necessita.
O senhor fala em deslanchar novas hidrelétricas. O padrão usado no Brasil (grandes usinas distantes dos grandes centros, com grandes lagos) é ideal? Não seria melhor privilegiar pequenas centrais hidrelétricas?
Claro, mas seria preciso centenas delas para atender as necessidades de eletricidade no país. Pequenas usinas produzem 10 mil ou 20 mil quilowatts e o Brasil precisa aumentar a produção de eletricidade em 3 milhões de kW por ano, pelo menos ¬– o equivalente a 300 pequenas centrais hidrelétricas de 10 mil kW.
Com a discussão sobre mudanças climáticas, chega-se a apontar a energia nuclear como uma alternativa atraente, já que as usinas não emitiriam tanto CO2, comparadas às térmicas, por exemplo. O senhor concorda? Haveria riscos?
Energia nuclear é cara e oferece riscos que outras formas de energia não oferecem. Ela é a opção a usar quando as outras foram exauridas. Este foi o caso da França, foi o caso do Japão, mas não é o caso do Brasil, em que apenas um terço do potencial hidrelétrico existente foi utilizado. Hidrelétricas emitem menos CO2 do que usinas nucleares.
Existe, como o debate público algumas vezes faz parecer, um dilema entre crescimento econômico e preservação ambiental? Se sim, as formas alternativas de energia dariam conta de driblar este dilema?
O dilema é real e o crescimento econômico vai provocar impactos ambientais. Preservação absoluta não é possível. O que é possível é reduzir esses impactos.
É possível, principalmente nas empresas, crescer e, simultaneamente, gastar menos energia?
Claro, mas esta opção, na prática, não é nem considerada pelo governo, muito menos estimulada.
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